quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Bram Stoker, Jonathan Rhys Meyer e o cavaleiro espiritual

Estreou aqui na TV europeía, a nova série do Drácula, produzida pelo ator irlandês Jonathan Rhys Meyer,  o mais recente Henrique VI da BBC.
na verdade a série estreou no Hallowen bem a propósito, dia 30 de Outubro, mas uma idéia geral do que a série promete já deu pra se ter uma idéia desde o primeiro capítulo onde eles mostraram um especie de resumão pra deixar o telespectador curioso.
a nova série chamou a atenção, o que o ultimo Henry VI da TV estava tramando? Jonathan Rhys Meyes, consta como produtor da série.
esclareço que não estou analisando os méritos e desmeritos da atuação do ator Irlandês radicado na Inglaterra, este post é uma tentativa na verdade de analisar o mérito literário da série, especialmete a questão principal em Drácula, sua revolta metafísica.

primeiramente estava curiosa pra saber se a série trazia algo de novo e original sobre essa tão famosa Novel do Bram Stocker, sim para quem não sabe Drácula é um romance escrito por um autor irlandês, Bram Stoker. ( natural de Clontarf/ Dublin)
lançado em 1897, Dracula e seu enredo já foi filmado, re-filmado, adaptado, tornando-se um icone cultural do ocidente, perpetuando nomes como o de Bela Lugosi, Christopher Lee e Klaus Kinski nos anais da historia do cinema.
é o que se pode chamar de um capítulo inteiro na iconográfia occidental. E para a desgraça do povo hungaro, sua associação com o vampirismo, tendo até parque temático vampiresco como local mais visitado do país. pois é, se você não ouviu falar de Drácula, você possivelmente estava dormindo por mais de vinte séculos.

A duvida era se esse novo Dracula  trazia algo de novo, e já percebemos no primeiro capitulo é que sim, de fato ele traz algo até então em matéria de "Dracula" é o que se pode chamar de revolucionário!

começamos pelo começo:
Quando Bram Stoker escreveu a sua novela, criou o seu enredo de modo a ser completamente absorvido pelo público de então, europeus do final século dezenove.
Na tentativa de fazer o seu nome como escritor, obviamente não estava apenas orientado nesse sentido, ele tinha lá vamos  presumir o seu orgulho, a sua sede de criação e estilo, suas desventuras como narrador na tentativas de agradar o gosto  do leitor vitoriano.
 Não alcançou o sucesso imediato como se imagina, de fato Dracula the novel foi tornando-se mais apelativa ao passar dos anos, embora sabe-se que Bram Stoker não ganhou dinheiro com a obra que só foi render algum lucro  na ocasião do lançamento do filme Nosferatu em 1922.
Bram Stoker queria ganhar dinheiro tambem, queria agradar, lançando uma novela que fosse ao gosto gotico da moda, queria fazer um nome, chamar atenção como todo o escritor comumente o quer, ele então escreve uma obra prima onde o cerne da questão foi debatido e o é até hoje.
inúmeros criticos literários, psicólogos e cineastas exporam suas teorias sobre a questão principal em Dracula, ou sobre todas as questões apresentadas, mas o personagem, conde Dracula é o cerne da questão, ele e  sua revolta metafisica.

quem não conhece o enredo? o aristocrata conde Dracula chega na Inglaterra, se introduz misteriosamente na sociedade vitoriana, alias não se introduz, (mas causa alvoroço)
conhece  Jonathan Hacker, o jovem que ele contrata como secretário, com o propósito de conquistar a sua noiva Mina, que é  o que ele acredita, a reencarnação de sua amada esposa num passado muito, mas muito distante.
agora vamos a esse passado, o conde era um cavaleiro da ordem do Dragão, uma ordem  comparada com os cruzados e com os mesmos propósitos defender o território cristão dos turcos Otomanos.
o cavaleiro, Dracul serve a ordem como um dos melhores, mais corajosos e brilhantes, ele é um homem justo, digno, pronto para lutar pela fé católica, o que se pode chamar de virtuoso.
quando volta das batalhas o conde descobre o corpo da sua amada esposa na cripta da sua capela, sendo velada, ela suicidou-se. acreditando que o marido tinha morrido nas mãos dos turcos, sendo vitima de uma falsa carta.
 eis então que este homem, tão virtuso, tão viril, se revolta, e a sua revolta é tão sentida, tão profunda, é a revolta de um justo, e a revolta de um justo é pior  do que a de um pecador.
sim, por que se ele fosse um pecador, ele seria capaz de concluir  mais cedo ou mais tarde que sua revolta era descabida, por que quem peca tem que pagar. ou paga-se na terra ou paga-se no inferno. e a morte de sua amada esposa bem podia ser a paga pelos seus pecados nessa terra.

 Se Dracul o conde, o cavaleiro, fosse pecador, ele sentiria o drama do seu pecado, a culpa e quem sabe até se converteria. mas a dor do justo é diferente. o justo ( não o asceta ainda) a principio não entende a contradição, revolta-se porque não encontra motivos para sua desgraça.
 Eis  a prova de fogo de todo o praticante, aceitar as contradições, ser capaz de suportar as dores inexplicáveis, irremediáveis.  O justo se transforma no santo, no asceta quando tem esse encontro e sublima ou vai além dessa dor.
pois com  Dracul foi o contrário.  A queda do excelente é que é a queda. nenhuma queda mais importa, para os anjos e demonios, mas sim a queda do excelente.
 Tal queda é que se torna a desgraça na terra, e isso acontece com o conde.  Ele nega a Deus, se revolta, caí, em consequência é excomungado pela igreja e pela ordem do Dragão, ordem que ele, serviu tanto a Deus, o mesmo Deus, que foi capaz de tirar sua amada dele, ou capaz de permitir que ela se fosse.
 Como pode Deus, ser assim tão frio, tão indiferente se eu, Dracul, lutei tanto para defendê-lo? defendi sua igreja, sua fé e é assim que Deus me paga? este é o cerne da questão em Dracula é ai que ele se transforma em maldito, em amadiçoado, criatura das trevas, foi amaldiçoado por Deus, quem mais pode amaldiçoar senão o próprio Deus?
A grande questão em Dracula é a sua revolta metafisica e as conquências das sua revolta, é uma criatura banida por amor, amaldiçoado por revolta, uma criatura que não pode aceitar a dor da contradição tal que foi transformado num monstro. isso os leitores vitorianos podiam absolver, pois era uma sociedade cristã, se não o fosse, não teria produzido o próprio Bram Stoker! o que nos interessa  precisamente é o que o novo Dracula do século 21 faz com o de Bram Stoker do seculo 19.

Como crituras do século 21 os produtores do novo Dracula não foram capazes de manter e muito menos desenvolver o tema antigo e original de Bram Stoker, porque simplesmente não o compreendem.  O publico muito menos ainda. E isso podemos ver bem no novo enredo que nos é apresentado na série.
  • A ordem do Dragão não mais uma ordem da cavalaria hungara, criada por Sigismundo de Luxemburgo rei da hungria, mas uma ordem mais parecida com uma loja maçonica, onde os membros no passado caçavam queimavam mulheres inocentes acusadas de bruxaria ( incluindo a amada de Dracula) e estão mais interessados em lucros e no controle das finanças mundiais, seus descendentes sao tão maus e loucos por controle como os antepassados e suspeita-se que tambem tenham poderes sobrenaturais, na Londres vitoriana onde Dracula aparece, eles tem o monopolio econômico e politico.
  • O monopólio político e econômico é o que mais interessa Dracula, sendo esta a razão de sua volta dos mortos, vingar-se da ordem e conquistar o mundo das finanças na Inglaterra, seu inimigo não é mais Deus, sua desgraça não é espiritual, mística mas sim financeira e amorosa.
  • Inves de nobre, mistico, fatal, Dracula se apresenta como um financista norte Americano aos londrinos, Mister Grayson.
  • A sua amada Wilhelmina, docê criatura seduzida por um morto vivo,  não se suicidou, causando sua ruptura com Deus e em consequência a de seu marido tambem, mas sim foi morta na fogueira pela ordem do Dragão no passado, onde a ordem operava como caça a bruxas e Dracula  ou melhor Mister Grayson quer vingança da ordem.
  • Mina não é mais a figura da donzela seduzida, mas sim como toda a moça emancipada, não precisa entrar em transe para ser seduzida, não é tão dificil assim cativa-la. acabando com todos os dilemas morais possiveis.
Num século onde o publico só entende disputas economicas, onde tudo é explicada pela eterna luta de classes, cria-se  mentalidade  tal, que já não é possivel  um conflito espiritual ser apresentado. e olha quem nem estamos falando do um conflito excelente, mas sim de uma mera novela do fim do seculo dezenove. obviamente que num livro os conceitos são mais elaborados e uma série não é um livro.
mas a mentalidade hodierna  se compraz com explicações tão simples, tão mitigadas, dualistas,  marxistas,  seria impossível apresentar uma série onde ideía original reflete uma preocupação mais interiorizada, alem do mais que século pobre é este onde eu paro para encontrar riqueza e mérito numa novela de Bram Stoker?
 se isso é possivel, se adaptação da sua obra ficou tão pobre, o que se há de pensar?  claro que uma nova versão de qualquer coisa, sempre apresenta algo novo, mas desta vez foi o que se pode chamar de descomposição completa.
Esperar do público do século vinte  que fique absorto na frente da tv pelo problema do  personagem central que é o que se pode chamar de no minimo espiritual? impossível.

você pode até não ser muito fã de Dracula, mas há de se admitir o valor literário da obra. o cerne da questão negada, inexplorada, ignorada pelos roteiristas, mas o que se esperar? só estou constatando. eis uma constação interessante.
Em materia de Drácula, fico com o filme de Coppola. O filme da minha geração, que pelo menos ainda tinha algo de espiritual, o que acontece com a geração de hoje?


Dracul  o cavaleiro, chora ao ler a carta de suicidio de sua amada, o começo da sua desgraça